O novo Codigo de Processo Penal de Macau

* Carla Adriana Carvalho

Introducao

Entrou em vigor no dia 1 de Abril de 1997 o Codigo de Processo Penal de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 48/96/M, publicado no Boletim Oficial de 2 de Setembro de 1996.

Entre o direito penal e o direito processual penal ha uma ?relacao mutua de complementaridade funcional? 1 que permite conceber estes dois ramos como uma ?verdadeira unidade no mesmo pensamento fundamental? 2, sem prejuizo da autonomia especifica de ambas as regulamentacoes pois tem objectos e intencionalidades diversas. Nesse sentido, em face da entrada em vigor do novo Codigo Penal no dia 1 de Janeiro de 1996, tornou-se imprescindivel uma articulacao com um processo penal capaz de responder eficazmente e com verdadeira conformacao teleologica as opcoes e exigencias da nova disciplina penal substantiva 3.

1 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, licoes coligidas por Maria Joao Antunes, Seccao de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988/89, pp. 5 e ss.
2 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, Editorial Verbo, 1994, p. 15.
3 Nas palavras de Jose Souto de Moura ?(…) Nao sera qualquer processo que servira um certo direito penal (…)? In Inquerito e Instrucao, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, pp. 81 e ss.

Se, por um lado, as intencoes politico-criminais vazadas no direito penal substantivo dependem de uma justa aplicacao das consequencias juridicas do crime e por conseguinte dependem em larga medida da configuracao do processo penal, por outro, existem proposicoes fundamentais do ?paradigma emergente? 4 da politica criminal que se dirigem exclusivamente ao processo penal.

4 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Portugues, As Consequencias Juridicas do Crime, Aequitas, Editorial Noticias, 1993, pp. 63 e ss.

Impunha-se, tambem, a criacao de um sistema normativo de processo penal capaz de responder as injuncoes em termos de direito internacional, designadamente do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Politicos. Nesse sentido a exposicao de motivos do Decreto-Lei que aprova o Codigo de Processo Penal: a insercao de Macau na comunidade internacional suscita a compatibilizacao com as normas dos instrumentos de direito internacional que protegem os direitos humanos.

Por conseguinte, com o novo Codigo de Processo Penal completa-se um sistema que, em conjunto com a Lei Basica da Regiao Administrativa Especial de Macau, as Leis de Organizacao Judiciaria e o Codigo Penal, e coerente, encontrando-se desta forma completo um ordenamento juridico-penal autonomo com potencialidades de permanencia.

Finalidades do Codigo de Processo Penal de Macau

A disciplina do Processo Penal de Macau concretiza finalidades antinomicas: a realizacao da justica, a estabilizacao contrafactica das normas violadas e a descoberta da verdade material, sem descurar a proteccao perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas. A concretizacao de todas estas finalidades nas singulares disposicoes processuais penais levanta problemas complexos de harmonizacao que impoem um exercicio de concordancia pratica, em termos de ?atribuir a cada uma a maxima eficacia possivel? 5, consagrando-se o conjunto das solucoes ao referente axiologico-normativo da intangibilidade da dignidade da pessoa humana 6.

5 Nesse sentido, Jorge de Figueiredo Dias, por Maria Joao Antunes, op. cit. supra, nota 1, pp. 24 e ss.
6 Expressamente consagrado no artigo 30.o da Lei Basica da Regiao Administrativa Especial de Macau (LBRAEM).

A necessidade e a subsidiariedade, que caracterizam o direito penal, ditam que este intervenha apenas onde haja condutas lesivas de bens juridicos e comunitariamente insuportaveis, que nao possam ser convenientemente controladas ou contrariadas por outros instrumentos de reaccao de natureza nao criminal. Ao processo penal devem aplicar-se os mesmos principios.

Com efeito, se o fundamental em materia de fins das penas e a reposicao da paz juridica comunitaria, tambem a nivel processual se ha-de fazer sentir essa intencao. Desde logo, atraves da diversao, correlato adjectivo da descriminalizacao, que decorre de uma intencao precisa de ?nao intervencao moderada ou judiciosa? 7 e tem expressao nos institutos do arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 262.o do Codigo de Processo Penal, adiante designado por CPP) e da suspensao provisoria do processo (artigo 263.o, CPP).

7 Jorge de Figueiredo Dias, op. cit. supra, nota 4, pp. 63 e ss.

De outro lado, o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas, em especial da pessoa do arguido, e fonte de legitimacao do processo penal.

Importa analisar, outrossim, a compatibilizacao da disciplina normativa do novo Codigo com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Politicos (PIDCP), o qual estabelece um conjunto de garantias fundamentais do arguido em processo penal.

Garantias de um processo justo e equitativo

O artigo 14.o do referido Pacto cria um conjunto de garantias para um processo justo e equitativo 8 porque materialmente informado pelos valores da liberdade, seguranca e dignidade da pessoa humana.

8 ?Direitos de salvaguarda?, na expressao de Henrique da Silva Gaspar, Procurador-Geral Adjunto da Republica Portuguesa na sua comunicacao intitulada O Processo Equitativo no Pacto Internacional de Direitos Civis e Politicos e o Processo Penal de Macau, apresentada nas Jornadas do Novo Codigo de Processo Penal, que decorreram em Macau de 27 a 31 de Janeiro de 1997, organizadas pelo Centro de Formacao de Magistrados e pela Faculdade de Direito da Universidade de Macau.

A par de uma garantia geral de acesso a justica, o n.o 1 estabelece os principios da independencia e imparcialidade dos tribunais, por um lado, e da publicidade da audiencia, por outro lado.

O acesso a justica e consubstanciado pela constituicao como arguido da pessoa contra quem corra inquerito, que seja sujeita a detencao ou que seja identificada como autor de um crime num auto de noticia (artigo 47.o, CPP), ou seja, pela constituicao na posicao de sujeito processual, sendo assegurado a este o exercicio de direitos e deveres (artigo 49.o, CPP), constantes do artigo 50.o e de outras disposicoes ao longo do Codigo, no quadro do principio da presuncao da sua inocencia (consagrado no artigo 14.o, n.o 2, PIDCP 9) ate transito em julgado da sentenca condenatoria.

9 O mesmo principio vem consagrado na LBRAEM, artigo 29.o

Relativamente ao acesso a justica, de referir o apoio judiciario 10, que consiste na dispensa total ou parcial de custas judiciais, e o patrocinio oficioso, que pode ser concedido, em processo penal, aos que demonstrem insuficiencia economica e em relacao aos quais tenha sido proferida acusacao e aqueles de cuja acusacao dependa o exercicio da accao penal.

10 Regulado pelo Decreto-Lei n.o 41/94/M, de 1 de Agosto.

A constituicao do arguido como sujeito processual confere-lhe varios direitos (artigo 50.o, CPP), entre os quais o de escolher defensor (artigo 50.o, n.o 1, alinea d), CPP, de acordo com a alinea b) do n.o 3 do artigo 14.o, PIDCP), que pode estar presente em todo e qualquer interrogatorio do arguido, bem como o de conferenciar com este em todo e qualquer momento do processo (alinea e) do n.o 1 do artigo 50.o, CPP), mesmo em caso de terrorismo ou de criminalidade violenta. A relacao entre o arguido e o seu defensor e especialmente protegida noutras disposicoes do Codigo, por exemplo, atraves das proibicoes de apreensao ou controlo de correspondencia ou de intercepcao ou gravacao de conversacoes ou comunicacoes entre o arguido e o defensor (artigos 164.o, n.o 2 e 172.o, n.o 2, CPP, que apenas consagram uma excepcao: a de o juiz ter fundadas razoes para crer que a correspondencia ou a comunicacao sao objecto de um crime).

No catalogo dos direitos de defesa do arguido e de sublinhar o direito de o arguido dispor, sem encargos para si, de interpretacao-traducao dos actos processuais orais ou escritos em que participe 11, o que num territorio com duas linguas oficiais 12 e de capital importancia, pois assegura a eficacia da proteccao das demais garantias processuais (artigo 82.o, CPP, conjugado com o artigo 107.o, n.o 2, alinea c), CPP, que determina a nulidade do processo, dependente de arguicao, para a falta de nomeacao de interprete quando for obrigatoria).

11 O artigo 82.o, CPP, atribui, de resto, a mesma faculdade a qualquer interveniente no processo penal.
12 O Decreto-Lei n.o 455/91, de 13 de Janeiro, oficializou as linguas portuguesa e chinesa.

Do mesmo modo, contribuindo para o reforco do direito de defesa do arguido, o Codigo de Processo Penal acolhe a ideia da ?igualdade de armas?, muito embora com limites que decorrem de outros principios, como o da investigacao judicial e o da indisponibilidade do objecto do processo.

O arguido e o Ministerio Publico como sujeitos processuais titulam direitos que lhes permitem conformar autonomamente ?a concreta tramitacao do processo como um todo em vista da sua decisao final? 13. ?Todavia, a igualdade de armas nao pode ser entendida como obrigando ao estabelecimento de uma igualdade matematica ou sequer logica. Uma igualdade formal implicaria para o Ministerio Publico o abandono do seu dever de objectividade? 14 (artigo 42.o, CPP). Com efeito, ?nao e funcao do Ministerio Publico, (...), sustentar ‘a todo o custo’ a acusacao contra o arguido, mas sim auxiliar o juiz na descoberta da verdade material? 15.

13 Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos no Novo Codigo de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 9.
14 Figueiredo Dias, por Maria Joao Antunes, op. cit. supra, nota 1, p. 107.
15 ibid., p. 107.

Assim, o arguido tem o direito de estar presente em todos os actos processuais que lhe disserem respeito e a intervir no inquerito e na instrucao oferecendo provas e requerendo as diligencias que entender por bem (artigo 50.o, n.o 1, alineas a) e f), CPP). Dispoe tambem da faculdade de consulta dos autos (artigo 79.o, CPP) e, no ambito da audiencia, consagra-se a sujeicao das testemunhas a contra-interrogatorio (artigo 329.o, n.o 4, CPP), de acordo, alias, com o que determina a alinea e) do n.o 3 do artigo 14.o, PIDCP. De salientar que o arguido pode solicitar ao juiz de instrucao que este o interrogue, como o estabelece o n.o 2 do artigo 274.o, CPP.

Instrumento fundamental de garantia dos direitos de defesa do arguido e que decorre da implementacao da igualdade de armas no ambito do processo penal e o principio do contraditorio, o qual permite que qualquer um dos sujeitos processuais verdadeiramente influencie o decurso do processo. Porem, nao deve esquecer-se que o principio do contraditorio tem pouca expressao no decorrer da fase de inquerito, fase secreta dirigida pelo Ministerio Publico. Nas fases preliminares, e no debate instrutorio que o principio contraditorio adquire maior expressao (artigo 280.o, CPP).

No quadro do principio da investigacao, tributario da busca da verdade material a que o juiz esta vinculado, este tem o poder-dever de instruir autonomamente o processo, desde que nao ultrapasse o facto a que esta vinculado pela acusacao, o que, efectivamente, demonstra que o juiz nao esta limitado pela actividade probatoria do arguido e do Ministerio Publico. Por fim, o principio da presuncao de inocencia e o seu corolario — o principio in dubio pro reo — nao podem sofrer compressoes por forca da igualdade de armas.

Principios da independencia, da imparcialidade e do acusatorio

No que a imparcialidade e a independencia diz respeito, nos termos do artigo 8.o do CPP e do artigo 2.o da Lei de Bases da Organizacao Judiciaria de Macau16, atribui-se aos tribunais o monopolio da funcao jurisdicional, ou seja, a exclusividade para o julgamento em materia criminal. A independencia dos tribunais face ao poder politico e garantida, nos termos do artigo 3.o da Lei 112/91, pela inamovibilidade dos juizes e pela sua nao sujeicao a quaisquer ordens ou instrucoes 17 — os tribunais decidem as causas penais de acordo com a lei e o direito (n.o 1 do artigo 9.o, CPP).

16Lei n.o 112/91, de 29 de Agosto, publicada no Boletim Oficial n.o 36, de 9 de Setembro de 1991, alterada pela Lei n.o 4-A/93, publicada em suplemento ao Boletim Oficial n.o 9, de 1 de Marco de 1993.
17 Cfr. artigo 1.o do Decreto-Lei n.o 17/92/M, de 2 de Marco, que aprova o sistema judiciario de Macau.

O principio do juiz natural ou legal exige que a competencia dos juizes de causas penais esteja determinada geral e abstractamente, por lei anterior a pratica do facto que sera objecto do processo, proibindo-se a constituicao de tribunais ?ad hoc? ou ?ex post facto? 18, o que, em conjunto com um sistema de impedimentos, recusas e escusas (artigos 28.o, 29.o e 32.o, CPP) e o principio do acusatorio, assegura a imparcialidade dos tribunais.

18 O principio do juiz natural tem consagracao na legislacao de Macau, nos artigos 14.o e 15.o do Decreto-Lei n.o 17/92/M, de 2 de Marco.

O principio do acusatorio constitui uma ?garantia essencial do julgamento independente e imparcial?. A ?densificacao semantica da estrutura acusatoria faz-se atraves da articulacao de uma dimensao material (fases do processo) com uma dimensao organica-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatoria significa, no plano material, a distincao entre instrucao, acusacao e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciacao entre juiz de instrucao (orgao de instrucao) e juiz julgador (orgao julgador) e entre ambos e o acusador? 19. E essa a razao que justifica a disposicao do artigo 29.o, CPP que impede o juiz que tiver presidido ao debate instrutorio de participar no julgamento da causa, do n.o 2 do artigo 11.o do mesmo Codigo, bem como do artigo 19.o do D.L. n.o 17/92/M, de 2 de Marco 20 21.

19 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituicao da Republica Portuguesa Anotada, 3.a edicao, Coimbra, 1993, pp. 205-206.
20 A disposicao equivalente no Codigo de Processo Penal da Republica Portuguesa, o artigo 40.o, foi declarada inconstitucional na parte em que permite a intervencao no julgamento do juiz que, na fase de inquerito, decretou e posteriormente manteve a prisao preventiva do arguido, por violacao do artigo 32.o n.o 5 da Constituicao da Republica Portuguesa, ou seja da estrutura acusatoria do processo penal (Acordao do Tribunal Constitucional n.o 935/96, de 10/07/96, publicado no Diario da Republica II Serie, de 11/12/96).
21 Por outro lado, as competencias na fase da instrucao e do inquerito estao atribuidas a um Tribunal especifico - o Tribunal de Instrucao Criminal -, o qual nao dispoe de competencia para o julgamento (artigos 29.o e 30.o do D.L. n.o 17/92/M, de 2 de Marco).

Por conseguinte, assegura-se a imparcialidade pela estrutura acusatoria do processo penal, a qual importa a divisao das varias fases que constituem o processo penal, atribuindo a direccao de cada uma delas a entidades distintas (a diversas autoridades judiciarias, nos termos da alinea b), n.o 1, artigo 1.o, CPP). Assim, o processo penal de Macau e constituido por uma fase de investigacao da noticia do crime — o inquerito, ?fase geral e normal de preparar a decisao de acusacao ou de nao acusacao? 22 —, dirigida pelo Ministerio Publico, coadjuvado pelos orgaos de policia criminal (artigo 37.o, artigo 246.o, CPP, e artigo 4.o do D.L. 17/92/M, de 2 de Marco). A instrucao, facultativa, e uma fase de comprovacao judicial da decisao do Ministerio Publico de acusacao ou de nao acusacao e e presidida pelo juiz de instrucao (artigo 11.o, n.o 1, CPP), que tambem tem competencias em sede de inquerito, designadamente ordenar, autorizar ou praticar ele proprio actos que contendam com os direitos fundamentais das pessoas (artigos 250.o e 251.o, CPP).

22 Manuel Lopes Maia Goncalves, Codigo de Processo Penal, Anotado, 6.a Edicao, Coimbra, 1994, anotacao ao artigo 262.o, pp. 412-413.

A instrucao concebe-se como um direito do arguido e do assistente, sendo obrigatoria quando tenha sido requerida. Por um lado, o requerimento nao esta sujeito a formalidades especiais e, por outro lado, so pode ser rejeitado por motivo de extemporaneidade, de competencia do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrucao (artigo 271, n.o 1 e n.o 2, CPP). A garantia que a instrucao pretende atribuir esvaziar-se-ia se o exercicio do direito a instrucao estivesse sujeito a condicoes dificeis de preencher. Nesse sentido, a sua falta determina uma nulidade insanavel do processo (artigo 106.o, alinea d), CPP).

A acusacao define e fixa o objecto do processo — do principio do acusatorio decorre uma vinculacao tematica de que resulta que nao pode haver uma alteracao substancial dos factos descritos na acusacao ou na pronuncia (artigo 340.o, e cfr., tambem, artigos 285.o e 339.o, CPP). Sendo em funcao da acusacao que o arguido organiza a sua defesa, as limitacoes quanto a possibilidade de conhecimento de novos factos (artigo 285.o e 340.o, CPP) evitam que o arguido se confronte com uma subsuncao diferente daquela que constitui a acusacao e em resposta a qual preparou a sua defesa. Nesse sentido, a ali-nea b) do artigo 360.o comina a nulidade da sentenca que nao respeite os limites dos poderes de cognicao do tribunal.

Como foi ja assinalado, o juiz detem o poder de instruir autonomamente o processo em ordem a formar as bases necessarias para a sua decisao. Tal resulta do principio da investigacao. Todavia, esse principio ha-de compatibilizar-se com a estrutura acusatoria do processo penal. Essa concordancia resulta na impossibilidade de exercer qualquer influencia sobre a conformacao do objecto do processo.

O conceito de alteracao substancial dos factos vem expressamente definido na lei processual penal, na alinea f) do n.o 1 do artigo 1.o

No que se refere ao conceito de ?facto? para o efeito de avaliar a ocorrencia de uma modificacao substancial, jurisprudencia recente do Tribunal Constitucional considera como nao constituindo alteracao substancial dos factos descritos na acusacao ou na pronuncia a simples alteracao da sua qualificacao juridica (ou convolacao), desde que, conduzindo a diferente qualificacao juridico-penal dos factos a condenacao do arguido em pena mais grave, o arguido seja prevenido da nova qualificacao e se lhe de, quanto a ela, oportunidade de defesa 23.

23 Acordao n.o 279/95, de 20/07/95, do Tribunal Constitucional, publicado no Diario da Republica, Serie II, de 28/07/95, decidiu julgar inconstitucional, por violar o disposto no n.o 1 do artigo 32.o da Constituicao da Republica Portuguesa e o disposto na alinea f) do artigo 1.o do CPP em vigor em Portugal (que dispoe no mesmo sentido que a mesma alinea do artigo 1.o do CPP vigente em Macau), ?conjugado com os artigos 120.o, 284.o, n.o 1, 303.o, n.o 3, 309.o, n.o 2, 359.o, n.os 1 e 2, e 379.o, alinea b), e interpretado nos termos constantes do Assento n.o 2/93?.

O n.o 1 do artigo 285.o e n.o 1 do artigo 339.o, CPP, atribuem ao arguido a faculdade de requerer adiamento do debate instrutorio ou da audiencia, respectivamente, para preparacao da sua defesa se no decurso dos referidos actos surgirem suspeitas fundadas de verificacao de factos relevantes para o julgamento da causa e que nao constituam uma alteracao substancial dos factos descritos na acusacao ou na pronuncia.

Na instrucao o juiz nao realiza um suplemento de investigacao autonoma 24 que possa alterar ou substituir o objecto do processo definido no seu sentido e limites pela acusacao do Ministerio Publico (artigo 285.o, CPP). ?A estrita ligacao do juiz, de instrucao como de julgamento, ao ?facto? que lhe e proposto pela acusacao, e sobre a conformacao do qual ele nao pode em principio exercer qualquer influencia e solucao imposta pela realizacao da maxima acusatoriedade possivel do processo, como, noutra vertente, pela salvaguarda da funcao especificamente judicial de todo e qualquer juiz como dominus de uma fase processual? 25.

24 Nesse sentido Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos no Novo Codigo de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 16. Em sentido oposto, Anabela Miranda Rodrigues, O Inquerito no Novo Codigo de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, p.77.
25 Anabela Miranda Rodrigues, op. cit. supra, nota 24, pp. 61 e ss.

Quanto ao Ministerio Publico, deve assinalar-se que e uma magistratura autonoma 26, autonomia sufragada pelos criterios a que esta sujeita a sua actividade como orgao de administracao da justica — criterios de estrita objectividade e legalidade, embora temperados por uma margem mais ou menos larga de oportunidade, esta sob pressupostos legalmente determinados em funcao de objectivos claramente pre-estabelecidos.

26 Cfr. artigo 23.o da Lei n.o 112/91 (cfr. supra, nota 16).

Desde logo, o Ministerio Publico deve exercer a accao penal sempre que haja noticia de um crime (artigo 245.o n.o 2, CPP) e deduzir acusacao sempre que se tiver recolhido indicios suficientes da pratica de um crime e de quem foi o seu agente (artigo 265.o n.o 1, CPP). O n.o 2 do artigo 265.o, CPP, define o que deve entender-se por indicios suficientes — indicios donde resulte uma possibilidade razoavel de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de seguranca. Sendo esse um conceito amplo, o Ministerio Publico ve limitado o espaco de discricionariedade real de que disporia se o criterio fosse, por exemplo, o da ?grande probabilidade de condenacao? 27.

27 Jose Souto de Moura, Inquerito e Instrucao, Jornadas de Direito Processual Penal/ /O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 115.

Na verdade, a questao do principio da legalidade versus principio da oportunidade da actuacao do Ministerio Publico foi dirimida, no nosso Codigo de Processo Penal, em termos de atenuacao do principio da legalidade estrita, alias mais adaptado a sistemas penais com finalidades fundamentalmente retributivas. Com efeito, num ordenamento juridico-criminal em que o direito penal e a ultima ratio da reaccao social, baseado no principio da culpa e com o proposito de estabilizacao contrafactica das normas e de ressocializacao do individuo, tem que ser construidas algumas areas de discricionariedade real que permitam o tratamento conveniente de casos que apresentem um grau reduzido de culpa, de reduzida gravidade da ilicitude ou da danosidade social e que, do ponto de vista das finalidades de prevencao geral nao evidenciem necessidade de intervencao, ate desaconselhada em termos de prevencao especial.

Nessa linha de orientacao se encontram os institutos da suspensao provisoria e do arquivamento em caso de dispensa de pena. Nesta materia, o Ministerio Publico pode propor ao juiz uma ou outra solucao desde que o caso concreto se possa subsumir ao circunstancialismo previsto nos artigos 262.o n.o 1 e 263.o, n.o 1, tendo que realizar para o efeito um juizo no sentido de avaliar da presenca ou ausencia de exigencias de prevencao geral e especial. Por um lado, os pressupostos materiais em que assenta a decisao do Ministerio Publico sao muito apertados e, por outro lado, ao juiz cabe tambem uma palavra sobre a proposta. No que toca a suspensao provisoria do processo, o consenso de todos os sujeitos processuais e conditio sine qua non da aplicacao da suspensao provisoria, campo em que o Ministerio Publico nao exerce qualquer influencia.

Tambem nos processos sumario e sumarissimo cabe ao Ministerio Publico levar a cabo uma ?pre-apreciacao (...) sobre a susceptibilidade e/ou suficiencia dos elementos disponiveis, ou previsiveis, para obter (...) uma decisao ponderada e segura com base nos dados que possam ser apresentados ao Tribunal? 28 (artigos 363.o, n.o 2 e 373.o, CPP). Porem, tambem ai ao juiz de instrucao cabe, em ultima analise, a decisao de empregar essas formas especiais de processo (artigo 371.o, CPP, quanto ao processo sumario, e artigo 375.o n.o 3, CPP, referente ao processo sumarissimo).

28 Antonio Henriques Gaspar, Processos Especiais, in Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 369.

Efectivamente, pode dizer-se que ?materialmente, e o Estado, enquanto titular que e do ius puniendi, quem acusa e quem julga. Mas, formalmente um e o orgao que procede a julgamento (o juiz); outro, o que promove o processo (o Ministerio Publico)? 29.

29 Acordao do Tribunal Constitucional n.o 935/96, de 10 de Julho de 1996, publicado no Diario da Republica, II Serie, n.o 286/96, de 11 de Dezembro de 1996.

Celeridade processual

No campo da celeridade e de notar a simplificacao dos actos processuais, a reducao das formas de processo, o regime de recursos bem como os prazos bem definidos de duracao de todas as fases do processo.

As varias fases do processo estao limitadas por prazos de duracao maxima (artigo 258.o, no que diz respeito ao inquerito; artigo 288.o relativamente a fase de instrucao; e, no que se refere ao julgamento, artigos 294.o n.o 1 e 354.o n 1.o, todos do CPP).

Todos os processos especiais sao vocacionados para uma aceleracao e simplificacao processuais, de tal forma que no processo sumario a possibilidade de inobservancia dos prazos determina o reenvio do processo para a forma comum (artigo 371.o n.o 1, CPP) e, na mesma linha de justificacao, os processos especiais nao podem contemplar uma fase de instrucao (artigo 268.o, n.o 4, CPP).

Com efeito, um dos requisitos do processo sumario e o de o inicio da audiencia se verificar no prazo maximo de 48 horas (artigo 362.o, CPP), ou no de 30 dias, se se verificar alguma das circunstancias previstas no artigo 367.o, e, por outro lado, ?os actos e termos do julgamento sao reduzidos ao minimo indispensavel ao conhecimento e boa decisao da causa? (n.o 2, artigo 366.o, CPP), caso contrario o processo sera reenviado a forma comum (artigo 371.o, CPP), disposicoes que revelam a intencao de celeridade e de simplificacao subjacente a esta forma de processo.

Por seu turno, o processo sumarissimo estrutura-se segundo uma intencao de celeridade, pois nao ha instrucao nem julgamento e a sentenca transita de imediato em julgado.

A celeridade processual e uma condicao da boa administracao da justica, pois dela depende a eficacia dos resultados, quer em termos de prevencao geral de integracao, quer em termos do restabelecimento da paz juridica do arguido. Nao obstante, a celeridade processual nao pode ser obtida em detrimento absoluto da verdade material, por um lado, e do direito de defesa do arguido, por outro. Por conseguinte, o n.o 3 do artigo 340.o e o artigo 367.o, CPP, permitem dilacoes em conformidade com aqueles principios, de resto nos mesmos termos em que do texto do artigo 14.o do Pacto decorre a necessidade de harmonizacao entre a celeridade do processo (alinea c) do mesmo artigo do PIDCP) e o direito de defesa do arguido (alinea d), tambem do artigo 14.o, n.o 3, PIDCP) 30.

30 Tambem a LBRAEM reconhece o direito a ser julgado no mais curto prazo possivel (artigo 29.o).

Meios de coaccao

Tambem relativamente aos meios de coaccao o novo Codigo de Processo Penal recorreu ao criterio operador da concordancia dos interesses conflituantes - por um lado, o da verdade material e, por outro lado, o da defesa dos direitos fundamentais dos destinatarios dessas medidas, sejam o arguido ou as pessoas civilmente responsaveis, no caso das garantias patrimoniais.

As medidas de coaccao tem por fim acautelar a eficacia do procedimento, donde, de acordo com o principio da necessidade, nao e admissivel a aplicacao de medidas que nao se compatibilize com o fim de assegurar o regular desenvolvimento do processo ( artigo 176.o, n.o 1, CPP). Sao disciplinadas pelo principio da legalidade do qual decorre que so sao admissiveis as que estao taxativamente previstas no Titulo II do Livro IV, artigos 181.o e seguintes.

Quanto aos pressupostos de aplicacao, o n.o 2 do artigo 177.o, o n.o 1 do artigo 178.o, o n.o 1 do artigo 184.o e a alinea a) do n.o 1 do artigo 186.o exigem um juizo de prognose quanto a pena que vira a ser aplicada e aos indicios do cometimento de crime. 31

31 Sobre o preenchimento do conceito de indiciacao da pratica de um crime, veja-se Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 1993, pp. 209-210.

Por outro lado, excepcao feita ao termo de identidade e residencia, previsto no artigo 181.o, CPP, devem verificar-se in casu os requisitos previstos no artigo 188.o, CPP, o qual ?fornece as coordenadas fundamentais sobre a admissibilidade de aplicacao de medidas de coaccao, uma vez satisfeito o pressuposto essencial e preliminar da subsistencia de indicios de responsabilidade, sem o que a priori e de considerar ilegal a adopcao de quaisquer medidas de coaccao (...)?. Esse juizo de indiciacao do crime, exigido para que se aplique uma medida de coaccao tem que ser de comprovacao objectiva face aos elementos probatorios de que o juiz dispoe, nao podendo basear-se num juizo de mera probabilidade ou de mera presuncao.

Verificados estes pressupostos tera ainda que se demonstrar a adequacao e a proporcionalidade da medida a aplicar (artigo 178.o, CPP). A medida sera adequada se em concreto se mostrar idonea para cumprir as necessidades cautelares do caso. A proporcionalidade, por seu turno, afere-se pela relacao da medida de coaccao com a gravidade do crime e a sancao que presumivelmente se venha a aplicar. Ou seja, nunca podera aplicar-se uma medida de coaccao que, embora adequada as finalidades processuais, seja desproporcional em relacao a gravidade do crime praticado e a sancao que presumivelmente venha a ser aplicada. Por fim, de todas as medidas que de acordo com esses pressupostos possam aplicar-se, deve optar-se por aquela que seja a menos gravosa, em conformidade com o principio da necessidade.

As medidas de coaccao sao aplicadas por despacho do juiz de instrucao nas fases preliminares do processo ou pelo juiz do processo nas fases posteriores, excepto o termo de identidade e residencia que, nos termos do n.o l artigo 181.o, CPP, apenas requer a intervencao do Ministerio Publico.

Meios de obtencao da prova

O principio da legalidade da prova (artigo 112.o, CPP) dirige proibicoes de prova que constituem salvaguardas importantes dos direitos fundamentais das pessoas mas, por forca do principio da verdade material, a limitacao deixa de existir em relacao a quaisquer outros meios nao previstos no artigo 113.o, CPP.

Por outro lado, as medidas para obtencao de prova estao sujeitas, em geral, a apertados limites quer quanto ao sujeito que as ordena ou autoriza quer quanto aos pressupostos e formalidades. De entre as medidas previstas no CPP sao de sublinhar as apreensoes e as escutas telefonicas pelos cuidados a que esta sujeita a sua aplicacao. Assim, so o juiz pode ordenar qualquer uma delas desde que se revelem de grande interesse para a descoberta da verdade e se verifiquem determinados pressupostos relativos ao tipo e gravidade do crime. Por outro lado, de todos os elementos recolhidos atraves das medidas so os que se mostrarem relevantes para a obtencao da prova podem ser utilizados, ficando os participantes vinculados por um dever de segredo relativamente a tudo o mais sobre o que tiverem tomado conhecimento (artigos 164.o n.o 1 e 3, 172.o n.o 1 e 173.o n.o 2, CPP) 32.

32 A LBRAEM, nos artigos 28.o, 31.o e 32.o, consagra algumas garantias quanto a tortura e tratos desumanos, revistas, buscas e introducao arbitrarias no domicilio, bem como sobre liberdade e sigilo dos meios de comunicacao.

Principio da publicidade

Um outro principio a que o artigo 14.o do PIDCP faz referencia e o da publicidade da audiencia.

Embora o inquerito seja uma fase secreta e escrita, a partir do despacho de pronuncia ou, se nao houver instrucao, do despacho que designa dia para a audiencia, o processo torna-se publico (artigo 76.o, n.o 1, CPP).

?A publicidade do processo implica a assistencia pelo publico em geral a realizacao dos actos processuais; a narracao dos actos processuais ou reproducao dos seus termos, pelos meios de comunicacao social; e a consulta do auto e obtencao de copias, extractos e certidoes de quaisquer partes dele? 33.

33 Figueiredo Dias, por Maria Joao Antunes ,op. cit. supra, nota 1, p. 153.

O principio da publicidade exerce um papel preponderante na fase da audiencia, constituindo uma garantia de defesa do arguido (artigo 302.o, com as excepcoes nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 77.o e, quanto aos meios de comunicacao social, o artigo 78.o, todos do CPP). Nas fases preliminares em que este principio nao obtem expressao plena, o direito de defesa do arguido e, mesmo assim, tutelado atraves do principio do contraditorio, pois toda a prossecucao processual se deve pautar pela contraditoriedade (artigo 283.o n.o 3, sobre a contraditoriedade no debate instrutorio e o artigo 308.o, no que toca a audiencia de julgamento). Mesmo na fase de inquerito, fase escrita e secreta, se revela o contraditorio, ainda que de forma mitigada, ja que o arguido tem o direito de estar presente em todos os actos que lhe disserem respeito, de ser ouvido pelo juiz sempre que este deva tomar uma decisao que o afecte e de oferecer provas e requerer diligencias que se lhe afigurem necessarias (artigo 50.o, n.o 1 alineas a), b) e f), CPP).

Principios fundamentais da audiencia

A audiencia de julgamento, em particular, alem de regida pelo principio da publicidade, rege-se pelos principios da concentracao, da oralidade e da imediacao e do contraditorio.

O principio da imediacao tem por fim criar uma ?relacao de proximidade comunicante? entre o tribunal e os participantes processuais que permita ao juiz obter uma percepcao propria da prova 34. Nesse sentido, nao valem em julgamento provas que nao tenham sido produzidas em audiencia, nos termos do artigo 336.o, CPP, com a excepcao dos autos e declaracoes do arguido ou de outros participantes processuais cuja leitura seja permitida em audiencia, nos termos dos artigos 337.o e 338.o, CPP, sendo restrito o valor do depoimento indirecto (artigo 116, n.o 1, CPP).

34 Figueiredo Dias, por Maria Joao Antunes ,op. cit. supra, p. 160.

Corolario dos principios da imediacao e da oralidade, o principio da concentracao exige, particularmente no que diz respeito a audiencia, que esta decorra sem interrupcoes de forma a que a prova seja produzida exaustiva e continuamente perante o tribunal, sem prejuizo das interrupcoes e adiamentos nos casos em que sejam permitidos (artigo 309.o, CPP).

A oralidade resulta da constatacao de que a decisao justa ha-de basear-se numa audiencia de discussao oral da materia a considerar. Estes dois principios revelam-se, alias, os mais adequados para uma correcta apreciacao da personalidade do arguido, elemento fundamental no processo de determinacao da especie e medida da pena.

O principio do contraditorio, na audiencia de julgamento, tem consagracao expressa no artigo 308.o, CPP. E a luz desse principio que se deve compreender as solucoes dos artigos 302.o, n.o 2, 340.o, n.o 2 e 341.o, n.os 1 e 2, CPP.

Processos especiais

No que diz respeito aos processos especiais, o novo Codigo consagra o processo sumario, o processo sumarissimo e o processo contravencional, todos eles com caracteristicas de simplificacao e de celeridade.

O processo sumario destina-se a um tipo de criminalidade de menor gravidade, pois pressupoe que o arguido tenha sido detido por crime punivel com pena de prisao de limite maximo de 3 anos, ainda que com pena de multa. Porem, o processo sumario nao pode empregar-se se o arguido nao tiver completado 18 anos no momento da pratica do facto, conforme o disposto no artigo 362.o, CPP, o que corresponde a exigencia de tomar em consideracao a idade nos processos aplicaveis aos jovens, nos termos do n.o 4 do artigo 14.o do PIDCP.

O processo sumarissimo e a resposta sugerida pela politica criminal a pequena criminalidade, uma vez que esta forma de processo so pode empregar-se, sob pena de nulidade (al. f), artigo 106.o, CPP), se se tratar de crime de pouca gravidade a que concretamente se deva aplicar pena de multa ou medida de seguranca nao detentiva. Opera, ainda, num contexto de consensualidade, ja que se exige, no ambito de uma audiencia informal e simplificada, cuja decisao e irrecorrivel, a anuencia do arguido para a aplicacao das sancoes que se afigurem adequadas, reenviando-se o processo para a forma comum caso nao se verifique tal consentimento (artigo 377.o, n.o 2, CPP). Em suma, ambos os processos, maxime o sumarissimo, se baseiam na culpa diminuta do arguido, na reduzida necessidade de prevencao geral e na ressocializacao do arguido, a qual sera mais facilmente materializada se se evitarem longos processos potenciadores de estigmatizacao.

Recursos

Em materia de recursos, o disposto no Codigo de Processo Penal enquadra-se no sistema de duplo grau de jurisdicao com um unico grau de recurso, consagrado em Macau (artigo 6.o, Lei 112/91, de 29 de Agosto); (alineas c) e g) do n.o 1 e alineas a) e g) do n.o 2, ambos do artigo 14.o da Lei 112/91, de 29 de Agosto); (artigo 54.o do D.L. 17/92/M, de 2 de Marco), em consonancia com o n.o 5 do artigo 14.o do PIDCP, que reconhece o direito de recurso.

Desde que a lei nao preveja a sua irrecorribilidade (artigos 389.o e 390.o, CPP) o recurso pode incidir sobre todas as decisoes judiciais, pelo que os despachos do Ministerio Publico sao irrecorriveis.

Tem legitimidade para recorrer os sujeitos processuais enumerados no n.o 1 do artigo 391.o, CPP, mas o recurso e vedado a quem nao demonstre ter interesse em agir.

Ora, tem interesse em agir, nesta sede, ?quem tiver necessidade deste meio de impugnacao para defender um seu direito?. 35

35 Jose Goncalves da Costa, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, p. 412.

Em sede de recurso regem os principios da oralidade e da imediacao (artigo 414.o, n.os 2 e 3 e artigo 415.o, CPP) e o principio do dispositivo, de que sao expressao a desistencia (artigo 405.o) e a proibicao da ?reformatio in pejus? (artigo 399.o, n.o 1, CPP). Desta proibicao, nao absoluta porem em virtude das limitacoes constantes do n.o 2 do artigo 399.o, CPP, decorre, em termos gerais, a inadmissibilidade da modificacao da sancao constante da decisao proferida pelo tribunal a quo, em prejuizo do arguido, quando o recurso seja interposto por este, ou pelo Ministerio Publico no interesse do arguido, ou, ainda, por ambos no exclusivo interesse do mesmo e, ainda, quando a modificacao resulte de diferente qualificacao dos factos pelo tribunal superior, neste caso independentemente da posicao que o Ministerio Publico ocupe no recurso. 36

36 Sobre esta materia, veja-se Manuel Lopes Maia Goncalves, op. cit. supra, nota 22, pp. 581 e ss. e Jose Narciso da Cunha Rodrigues, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Codigo de Processo Penal, Coimbra, 1988, pp. 388-389.

* Jurista do Gabinete para a Traducao Juridica.